A bicicleta como solução para o trânsito
Além da mobilidade urbana, a bicicleta gera outros benefícios sociais como melhora da saúde e a redução dos índices de poluição do ar
Pedro Paulo Domingos, 51 anos, conhecido por Caroço, decidiu ter uma vida mais saudável após passar por um sério problema pulmonar. Fumante compulsivo, ele abandonou o vício e passou a usar a bicicleta para manter a forma física e melhorar a qualidade de vida. Hoje, ele se desloca de casa, no município vizinho de Ilhota, até o trabalho em Gaspar de bicicleta. O curioso é que Pedro trabalha justamente no órgão que cuida do trânsito da cidade, a Ditran. Ele é responsável pela manutenção das placas e pela sinalização das obras nas vias públicas da cidade. Paulo conta que já andava de bicicleta há muitos anos, mas acabou redescobrindo o prazer de pedalar pela necessidade. “Mudei meus hábitos de vida para ter mais saúde e hoje gosto muito de andar de bicicleta”, afirma. Para ir e voltar do trabalho, Paulo pedala, de segunda a sexta-feira, em média 30km. São 35 minutos de “cara para o vento”, como se diz na gíria dos ciclistas. A maior parte do trajeto é feito na Rodovia Jorge Lacerda. Além dos 150 quilômetros toda a semana, ele ainda encontra forças para pedalar nos fins de semana com os amigos. Aí, a bicicleta vira lazer. Segundo ele, é extremamente importante usar equipamentos de segurança como o capacete e luvas, pois os maiores acidentes ocorrem nos pequenos trajetos. “Vários amigos meus já se salvaram de acidentes por estarem usando o capacete”, revela. Paulo lamenta a falta de educação e respeito dos motoristas para com os ciclistas. “É preciso haver uma reeducação para que essa nova onda da bicicleta possa ser a saída para o problema da mobilidade urbana. Nossa região ainda não tem os graves problemas das grandes cidades, mas se compararmos o espaço usado por uma bicicleta e um carro a diferença é enorme. Infelizmente a falta de respeito dos motoristas e o fato de não termos locais adequados para a circulação de bicicletas, como ciclovias, torna perigoso pedalar em Gaspar, Ilhota ou qualquer outra cidade da nossa região”, observa. Exemplos como o de Paulo são cada mais frequentes no mundo. A bicicleta deixou de ser um meio de transporte para se tornar um estilo de vida. A “magrela”, como é chamada, não polui e ainda contribui muito para a saúde de seus usuários. Exatamente por isto, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/12) a estabelece como prioritária, junto com outros tipos não motorizados sobre os modos motorizados. Significa que o poder público deveria ser o primeiro a cumprir com a hierarquização. No entanto, nesta terça-feira (22), Dia Mundial Sem Carro, os congestionamentos no trânsito de Gaspar continuaram e muita gente nem sabia da data de luta por uma melhor mobilidade urbana. A regra no trânsito para o ciclista é “ver e ser visto”, especialmente quando ele trafega na mesma via dos veículos motorizados. O ciclista precisa ser visto no trânsito, pois isto evita acidentes. É importante usar roupas claras e refletivas, sem esquecer da sinalização, como refletores que são obrigatórios nas bicicletas”, esclarece. Mudanças na base Especialista em Educação no Trânsito, o sargento da Polícia Militar Rodoviária Estadual, Emerson Luiz Andrade, entende que a falta de estrutura das cidades desmotiva as pessoas a deixarem o carro na garagem e se deslocarem de bicicleta no dia a dia. Andrade assinala ainda que o Código de Trânsito Brasileiro estabelece que o maior cuida do menor, ou seja, os automóveis deveriam proteger os ciclistas, mas na prática não é isso que ocorre. Por isso, para mudar o trânsito brasileiro é preciso modificar na base. “Precisamos fazer um longo processo de educação no trânsito para as nossas crianças. Elas ganham bicicletas para se divertir, mas os pais não ensinam que é um meio de transporte sustentável. Essa situação cria a desinformação que vai gerar conflitos no futuro”, observa o policial. Para ele, é urgente descentralizar os serviços básicos da região central da cidade. “Só assim as pessoas não precisarão se deslocar até o centro para executar funções básicas e vai sobrar mais espaço para as bicicletas”, argumenta. No entanto, ele lamenta que ainda não exista um projeto neste sentido. Outra alternativa, destaca Andrade, seria o trânsito compartilhado onde se pega carona com amigos. “Para criar uma conscientização no trânsito é necessário mudar a maneira das pessoas se deslocarem nas cidades. Vamos levar essa mudança de comportamento para dentro das escolas e ensinar os jovens que existem outros meios de transporte”, finaliza o educador. “Indústria automobilística boicota a bicicleta” Para Antônio Nelson Rodrigues da Silva, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, o poder público pode e deve contribuir para um aumento progressivo no uso da bicicleta, pois essa é uma tendência mundial. “No Brasil não se vê muito incentivo e a indústria automobilística ainda procura boicotar os movimentos que tentam implantar o uso da bicicleta nas grandes cidades. Ao priorizar espaços para as bicicletas, invariavelmente se terá de tirar o espaço de alguém, no caso, os carros”, explica o engenheiro. Além da infraestrutura necessária para a segurança dos ciclistas e do próprio tráfego em geral, fornecer a própria bike pode ser uma atribuição do Estado, especificamente na esfera municipal, de forma direta ou por meio de concessões ou permissões, o que já é uma realidade em outros países. Coordenadora de Educação de Trânsito do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Maria Cristina Hoffmann, destaca que “muitas cidades, como Copenhague, Amsterdã, Londres e Berlim estão em fase de adaptação para promover o aumento do uso das bicicletas como meio de transporte e, mais recentemente, algumas cidades brasileiras como o Rio de Janeiro, Brasília, Sorocaba, Santos, entre outras”. A atuação do Estado Maria Cristina Hoffmann, do Denatran, sustenta ainda que, para um bom uso da bicicleta são necessários cuidados especiais, como uma boa sinalização, exigência do uso de equipamentos de proteção e educação dos condutores. Para tanto, o Ministério das Cidades investe em ações de conscientização, especialmente cartilhas com regras de circulação. O órgão também apoia - além da construção de ciclovias e faixas junto à pavimentação de ruas - projetos de sistemas cicloviários e estacionamentos de bicicletas integrados aos sistemas de transporte coletivo, como o metroferroviário e os corredores de ônibus. “O objetivo é contribuir para a construção de uma mobilidade sustentável em que a base seja a integração modal entre todos os modos de transporte motorizados e não motorizados”, esclarece. O professor Antônio Nelson da Silva, porém, diz que investir em uma infraestrutura que evite acidentes ao ciclista não basta. É fundamental, segundo ele, que os estudos realizados no âmbito acadêmico sejam levados ao ambiente técnico e governamental, pois - do contrário - o planejamento necessário para a execução destas iniciativas poderá ser insuficiente. “Há que se levar em conta - a exemplo do que uma pesquisa em andamento tem constatado - graus de exposição do ciclista a fatores como estresse e poluição atmosférica e sonora, isto sem contar o risco que se corre - caso não haja uma averiguação adequada - de se criar uma estrutura que ligue nada a lugar nenhum”. O professor diz ainda que, se houver vontade política, qualquer pressão socioeconômica pode ser superada, na medida em que os governos se convençam e - com isto - levem à compreensão do povo de que um uso maior da bicicleta gera uma série de benefícios sociais importantes, como a melhora da saúde (pelo exercício físico e por uma diminuição da poluição do ar), além da redução de congestionamentos e de acidentes. “Outros países, como a Bélgica e a Holanda, tiveram vários problemas para implantar seus modelos, mas os governos compraram a briga”, completa. Dicas para quem quer pedalar - Comece com deslocamentos curtos. - Use equipamentos de segurança e roupas claras. - Faça sinalização dos condutores. - Evite usar calçadas e se usar desça e empurre a bicicleta. - Se andar em vias públicas siga sempre no mesmo sentido dos veículos motorizados. Fonte: http://www.jornalmetas.com.br/geral/a-bicicleta-como-solu%C3%A7%C3%A3o-para-o-tr%C3%A2nsito-1.1816750